Representação política
versus participação política
Maria Helena
Versiani*
Anos
eleitorais são momentos em que ganha particular visibilidade a questão da
participação dos cidadãos na construção de sociedades democráticas. O assunto é
controverso e recentemente, no Brasil, à época da elaboração da atual
Constituição Federal – a Constituição Cidadã, de 1988 –, emergiu como o “pano
de fundo” de uma série de lutas empreendidas pela ampliação dos direitos
sociais dos brasileiros.
A participação
dos cidadãos na política foi objeto de minha pesquisa de doutorado e volto a
ela neste artigo, agora privilegiando o debate sobre os limites dos sistemas
representativos eleitorais para a consolidação de sociedades democráticas.
Analistas de
grande reconhecimento – entre eles James Madison, Alexander Hamilton e John Jay
– defendem a superioridade do sistema representativo eleitoral frente à
democracia participativa direta. Os seus argumentos centrais giram,
primeiramente, em torno do entendimento de que é impossível mobilizar parcelas
expressivas da população a cada tomada de decisão necessária ao exercício dos
governos (a despeito de quaisquer recursos tecnológicos que hoje se colocam
como elemento de apoio às práticas da participação direta). Em segundo lugar,
argumentam que a representação eleitoral é um modelo político muito mais
eficiente do que a participação direta porque garante que os gestores eleitos
tenham condições de realizar as suas funções governativas sem correrem o risco
de “cair” no campo minado dos vários e conflitantes interesses dos cidadãos.
Na contramão
desse pensamento político, que tem longa tradição no Brasil, há quem defenda –
a exemplo de Marquis de Condorcet – que os processos eleitorais em si não
garantem a democracia quando a participação dos cidadãos limita-se à escolha
dos seus representantes. Isto porque os representantes eleitos, mesmo quando
comprometidos com programas partidários e promessas eleitorais, invariavelmente
assumem também compromissos com os seus partidos, aliados políticos e
financiadores de campanhas, agindo muitas vezes a partir de interesses
individuais relacionados, não com a promoção da democracia social, mas com a
sua própria perpetuação no poder e/ou consolidação de situações de privilégio.
Nessa
perspectiva, para ser democrático, um sistema político não pode prescindir da
participação efetiva da sociedade nas decisões de governo, não apenas nos
momentos eleitorais, mas também impondo limites ao poder estabelecido. É
preciso que se criem instrumentos que permitam contestar e recriar o exercício
da autoridade política, a partir dos interesses dos cidadãos, interesses,
aliás, que estão sempre sujeitos a mudanças.
A
constituição de sociedades democráticas exige interação contínua e dinâmica
entre as instituições governamentais e a sociedade, a partir da criação de
mecanismos de controle e de supervisão dos processos políticos pelos cidadãos,
para além dos momentos eleitorais. É o que sugere Nadia Urbinati, por exemplo,
ao observar que o sistema representativo que situa a soberania popular
restritamente nos processos eleitorais é um ato de delegação dessa soberania a
certos políticos. Nesse caso, segundo a autora, cria-se um dualismo entre
Estado e sociedade em que a representação está dentro dos domínios do Estado e
a participação da sociedade restrita aos procedimentos eleitorais. Após cada
eleição, a “nação soberana” só se expressa por intermédio dos seus
representantes eleitos. Estes se tornam senhores das decisões políticas, às
quais resta aos seus eleitores se “submeter”. O evento eleitoral acaba, pois,
por conferir a um grupo de políticos o poder de, com enorme liberdade,
deliberar pelos cidadãos.
Porém, em
sociedades verdadeiramente democráticas o representante não substitui o
“soberano político”, pois que os seus atos de decisão devem estar conectados
com os interesses da sociedade, sendo por ela sistematicamente ratificados. Aos
cidadãos, cabe não apenas eleger representantes, mas também criticar e
condicionar permanentemente a sua atuação, por meio da ativação de um processo
comunicativo sistemático, envolvendo formas de autorrepresentação
extraeleitorais, independentes dos representantes eleitos ou mesmo de sua
aprovação/reprovação.
A par desse
debate, a perspectiva de novas eleições no Brasil desponta não só como nova
oportunidade de eleger bons representantes. Trata-se também de momento propício
para pensar e comprometer os candidatos com as reformas que se fazem
necessárias tendo em vista a efetiva democratização do sistema político brasileiro.
*Doutora em História, Política e Bens
Culturais pelo CPDOC/FGV e pesquisadora do Museu da República
Fonte:
Boletim UFMG